Às vezes ainda espero ver-te o vulto
numa qualquer manhã de neblina.
O sol esconde-se no dia mascarado
e ainda há rumores de estrelas
nas palavras que não dizes.
Tenho um cheiro a laranjas nas mãos
e o meu corpo não sabe o que o espera.
Se calhar não sabemos mesmo nada
e na pureza da neblina somos cegos
a arquitetar vazios com vogais redondas.
Este teu vulto é um particípio passado
uma ferida virtual que vai desabar.
O amor calou-se e agora somos também
surdos e mudos, vazios e resignados
a pisarmos esperanças perdidas.
Vestimo-nos com arame e farpas
a esconder um coração morto
e o intolerável peso do corpo.
Amanhã volto para ver se há neblina
ou se o teu vulto adormeceu para sempre
nas ruínas da memória.
Margarida Piloto -GarciainOPUS-5-Selecta de poesia em Língua Portuguesa- publicado por TEMASORIGINAIS-2022