Não
eram os silêncios que mantinham as bocas afastadas. Era mais aquela
quietude do lugar vazio e a ansiedade rija dos dias preguiçosos e
abandonados, onde a vida se estilhaçava.
No
tempo, escondiam-se os gemidos do corpo a quererem ser quilómetros,
enquanto corria atrás da premonição ditada pelo destino. Mas a
estrada não era assim tão grande, reduzida que fora a meros
centímetros de felicidade.
Desde
pequeno que se fazia incólume às cicatrizes, numa astúcia
visceralmente concebida, que os anos haviam de aperfeiçoar não
dando hipótese a qualquer pedaço de alma remendado.
A
mãe dissera-lhe que ele tinha em si esse dom, o código para
decifrar sinas.
Nunca
acreditara!
Talvez
fossem sonhos, ou apenas desejos, aquilo que lhe fazia ver as coisas
de uma outra forma, a adivinhar futuros roucos e respirados, na ânsia
dos outros que não era a dele. Ele continuava imune ao que
profetizava, o vento a assobiar-lhe nas sobrancelhas e as mãos
presas na imperfeição seca dos lábios.
Até
que tinha acontecido aquele dia!
Ela
tinha surgido numa manhã de chuva, como uma arritmia nascida de
trovões no peito, uma quase demência assimétrica que tanto o
derramava em lágrimas, como lhe soltava o riso.
Tudo
o que ele não era, emergia nela. Tudo o que almejava, despertava
nela semente, flor e fruto. Nada existia a não ser o sorriso dela, a
pele dela, a palavra pendurada no lábio rubro, o gesto tão
angelical quanto demoníaco, com que o afagava e possuía. A vida
destrambelhava-se louca e impúdica atrelada à premonição
desvairada da felicidade eterna.
Porque
só podia ser esse dom a dar-lhe tantas certezas, enquanto ele se
atrevia a imaginar uma vagarosa eternidade! Nunca sequer lhe tinha
passado pela cabeça, que as premonições só servissem aos outros
e lhe estivessem negadas e encerradas na fria escuridão.
Agora,
passados alguns anos, só sentia mágoa da sua incompetência. Tomara
por premonição o sonho e o desejo e descansara no filho da mãe de
um destino anunciado e prometido.
E
não fora ele o arauto dessa desgraça?
Para
quê o esforço inaudito se afinal tudo estava previsto?
Ela
passou por ele e seguiu, tão forte como um guerreiro, tão
insubmissa e decisiva quanto um sinal vermelho. Ele não percebeu
nada, agarrado à fatalidade de uma premonição, sem entender o
terror da solidão nas veias.
Agora
o silêncio espreguiçava-se nele a consumi-lo numa indolência
ofensiva. Na cama vazia não havia odores de sexo selvagem, nem
gritos, nem palavras gemidas. No futuro só existia ele, sem espaço
para sonhar, sem uma única premonição acertada.
Afinal,
tudo o que ele sempre tinha querido, era a incerteza do destino e
mãos como asas para voar.
Margarida Piloto Garcia