segunda-feira, 10 de julho de 2023

Saudade





Chamei-te criança sonhadora

implacável nos contos inventados

por entre veredas sem pensar no destino.

Chamei-te jovem apaixonada

a pisares degraus em fúria incendiada.

Entretanto já as veias pulsavam

na nortada da pele ou num beijo

roubado pelo vento suão.

Chamei-te mulher açoitada por lembranças

presa por fios a dobarem-se

em palavras velhas e ácidas

com a fúria a atravessar-te os ossos.


E agora como chamo à mulher

que se perdeu nas marés sem corpo?

Daqui não se vislumbram janelas sobre o Tejo

nem copas de árvores a entornarem

seiva no desejo a florescer.

A respiração da manhã

é apenas um compasso de tempo

um ballet onde te elevas no que não foi teu

a desfiar memórias dos lugares errados.


E enquanto te perdes num diário soturno

eu encho a boca de saudade.


Margarida Piloto Garcia-in FRAGMENTOS DE SAUDADE, publicado por CHIADO BOOKS-2023


Foto de Tina Spratt