Chamei-te criança sonhadora
implacável nos contos inventados
por entre veredas sem pensar no destino.
Chamei-te jovem apaixonada
a pisares degraus em fúria incendiada.
Entretanto já as veias pulsavam
na nortada da pele ou num beijo
roubado pelo vento suão.
Chamei-te mulher açoitada por lembranças
presa por fios a dobarem-se
em palavras velhas e ácidas
com a fúria a atravessar-te os ossos.
E agora como chamo à mulher
que se perdeu nas marés sem corpo?
Daqui não se vislumbram janelas sobre o Tejo
nem copas de árvores a entornarem
seiva no desejo a florescer.
A respiração da manhã
é apenas um compasso de tempo
um ballet onde te elevas no que não foi teu
a desfiar memórias dos lugares errados.
E enquanto te perdes num diário soturno
eu encho a boca de saudade.
Margarida Piloto Garcia-in FRAGMENTOS DE SAUDADE, publicado por CHIADO BOOKS-2023
Foto de Tina Spratt