domingo, 7 de julho de 2019

Canção do mar





Lençol de areia quente e branca
a emborcar desejos sob o sol.
Nele me envolvo com a alma gasta 
e a pele a arder. Um dia destes
rompo os braços mar fora.
Quem sabe a espuma sabe a algodão doce
e me faz adormecer devagarinho.

Passo a passo deixo rudes marcas
fantasmas deste corpo a afogar-se
em esperanças devolutas, presas pela raiz.
Abro o peito à maresia para expurgar
os vícios. Afasto os versos turvos
e mergulho a alma sem remédio.

As palavras soam estéreis
sem que ninguém lhes valha, tal como cada adeus.
Indiferentes, as gaivotas despedem-se de mim
e eu não sei de gritos para as chamar.

Na impoluta madrugada
canção perfeita é a do mar.

© Margarida Piloto Garcia in-"SOB EPíGRAFE"-TRIBUTO A SOPHIA DE MELLO BREYNER- publicado por TEMAS ORIGINAIS- 2019

© Pintura de David Ligare



segunda-feira, 1 de julho de 2019

Fórmula






O segredo é não chegar perto
não deixar o ar encher-se de perfumes nocturnos
trazidos pelo vento suão.
Impedir o peito de arfar
e sorver a vida em golfadas sôfregas
sem que te pique a língua e arranhe a garganta.

O segredo é não deixar
a pele arrepiar. Cerrar os dentes
mesmo que todos os ossos te doam
e a febre te consuma.

Mesmo assim…
nem todos os santos e crenças me salvarão.
Nem todos os médicos e mezinhas
surtirão efeito, se um dia te deixar
chegar perto.




© Margarida Piloto Garcia in OPUS-2-Selecta de poesia em Língua Portuguesa- publicado por  TEMAS ORIGINAIS-2019



 
© Imagem Eliza Mytk