segunda-feira, 31 de maio de 2021

Esperança



Esperança


É preciso reinventar o léxico dos afetos

e o brilho dos dias.

Dar às margaridas a febre primaveril

da paixão solar.

Encher de púrpura os olhos

e entardecê-los nas tardes

que se quebram na paisagem.


Seguir como pássaros exuberantes

ao longo dos rios

o corpo a cansar-se nas margens

ou a brotar felicidade na relva fresca

e a refulgir desejo e vertigem

como uma fera enfurecida.


A noite não pode mais beber as veias

e deixar que a vida se afaste.

Mesmo que o sorriso seja frágil

e as pálpebras doam

as mãos dadas têm de resistir

e abraçar o coração.



Margarida Piloto Garcia in- NO CALOR DA POESIA; A ESPERANÇA-publicado por Edições Vieira da Silva 2021 



Arte de Valeria Amer



 

Escuta

 





Não feches os olhos
e não mastigues a vida
como se fosse uma baga acre.
Saboreia-a na ponta da língua
deixa-a navegar-te enquanto o ar
te respira e agarra pela cintura.
Abre-te à loucura ainda que partida
numa labiríntica arquitetura.
Tens nos olhos luas e cassiopeias
e se acreditares começarás a florir.

Então, nem ventos, nem marés
nem as asas da melancolia
te poderão roubar o rubro sangue
a correr desenfreado.
Escuta-o a dizer-te que as ondas
se quebrarão de novo na mesma praia
e os lençóis guardarão os trilhos do teu corpo.

Escuta e entende que é no fio da navalha
que a vida transborda de coragem.


©Margarida Piloto Garcia in- NO CALOR DA POESIA; A ESPERANÇA-publicado por Edições Vieira da Silva 2021
Arte de Zuhair Hassib