quinta-feira, 17 de março de 2022

O princípio e o fim






Chegou o fim e tu sabes

sabes que morreste e nem deste por isso.

Talvez o fim e o princípio

não façam assim tanta diferença

porque às vezes a dor e as lágrimas

são um fator comum a mostrar que temos pressa.

Não importa se uma bala nos ilumina

se um comboio nos leva de viagem

ou se uma faca nos lavra ou uma cama

nos enterra no silêncio.

Chega o tempo em que as mãos já não abraçam

e os beijos ficam esquecidos nas bocas.

A vida atirou-te de bruços para o abismo

e as palavras afogaram-se no que não disseste.

Não há fórmulas mágicas para sobreviver

a não ser as que deixas na inquietação de alguns.

Às vezes a morte é um carrasco distraído

que te leva quando começas a aprender

mesmo que seja um passo para a loucura.

Aqui não acontece nada a não ser

termos o mesmo destino.


O problema é que estás morta

mas continuas teimosamente a querer viver.



Margarida Piloto Garcia-

 in- " As palavras, rios de tantas águas "-publicado por IDEÁRIOS 2022



 

segunda-feira, 14 de março de 2022

Anos

 









Presente, passado ou futuro

um emaranhado sem respeito

uma fera a comer-nos

ou uma impalpável fome

como uma dor antiga que não morre.

A nossa indiscreta fragilidade

precisa de um manual de sobrevivência.

É nele que te apoias

é nele que tens dez anos e todos os sonhos

ou quinze e conquistas a sede infinita.

Em cada ano somos apenas um inquilino

à espera de um despejo

ou um argumento que não é levado à cena.

O nosso coração é dado como entrada

no negócio da vida e raras vezes

somos reembolsados.

Dos anos vão ficando as cicatrizes

as veias azuis, as rugas da indiferença

os deslizes absurdos e a ingratidão

que atravessa o tempo até rasgar a pele.


Os anos são propícios a crueldades

e talvez eu me vá embora

sem que ninguém dê por isso. 




Margarida Piloto Garcia-

 in- " As palavras, rios de tantas águas "-publicado por IDEÁRIOS 2022



Foto de Alicja Posluszna