quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Premonições


 



Não eram os silêncios que mantinham as bocas afastadas. Era mais aquela quietude do lugar vazio e a ansiedade rija dos dias preguiçosos e abandonados, onde a vida se estilhaçava.

No tempo, escondiam-se os gemidos do corpo a quererem ser quilómetros, enquanto corria atrás da premonição ditada pelo destino. Mas a estrada não era assim tão grande, reduzida que fora a meros centímetros de felicidade.

Desde pequeno que se fazia incólume às cicatrizes, numa astúcia visceralmente concebida, que os anos haviam de aperfeiçoar não dando hipótese a qualquer pedaço de alma remendado.

A mãe dissera-lhe que ele tinha em si esse dom, o código para decifrar sinas.

Nunca acreditara!

Talvez fossem sonhos, ou apenas desejos, aquilo que lhe fazia ver as coisas de uma outra forma, a adivinhar futuros roucos e respirados, na ânsia dos outros que não era a dele. Ele continuava imune ao que profetizava, o vento a assobiar-lhe nas sobrancelhas e as mãos presas na imperfeição seca dos lábios.

Até que tinha acontecido aquele dia!

Ela tinha surgido numa manhã de chuva, como uma arritmia nascida de trovões no peito, uma quase demência assimétrica que tanto o derramava em lágrimas, como lhe soltava o riso.

Tudo o que ele não era, emergia nela. Tudo o que almejava, despertava nela semente, flor e fruto. Nada existia a não ser o sorriso dela, a pele dela, a palavra pendurada no lábio rubro, o gesto tão angelical quanto demoníaco, com que o afagava e possuía. A vida destrambelhava-se louca e impúdica atrelada à premonição desvairada da felicidade eterna.

Porque só podia ser esse dom a dar-lhe tantas certezas, enquanto ele se atrevia a imaginar uma vagarosa eternidade! Nunca sequer lhe tinha passado pela cabeça, que as premonições só servissem aos outros e lhe estivessem negadas e encerradas na fria escuridão.

Agora, passados alguns anos, só sentia mágoa da sua incompetência. Tomara por premonição o sonho e o desejo e descansara no filho da mãe de um destino anunciado e prometido.

E não fora ele o arauto dessa desgraça?

Para quê o esforço inaudito se afinal tudo estava previsto?

Ela passou por ele e seguiu, tão forte como um guerreiro, tão insubmissa e decisiva quanto um sinal vermelho. Ele não percebeu nada, agarrado à fatalidade de uma premonição, sem entender o terror da solidão nas veias.

Agora o silêncio espreguiçava-se nele a consumi-lo numa indolência ofensiva. Na cama vazia não havia odores de sexo selvagem, nem gritos, nem palavras gemidas. No futuro só existia ele, sem espaço para sonhar, sem uma única premonição acertada.

Afinal, tudo o que ele sempre tinha querido, era a incerteza do destino e mãos como asas para voar.



Margarida Piloto Garcia