Há
quanto tempo não escrevo uma carta de amor? Se calhar era paixão e
eu não o percebi. Ou talvez um amor sonhado. Nada como um amor
cismado a rasgar pulsos! Descubro umas tantas por aí, mas são mais
de uma tristeza esfaqueada que se alonga na penumbra da casa. Em
todas elas me abandonas como os pesadelos onde não há antídoto que
dilua o veneno no sangue, ou morfina que debele a dor que cresce no
silêncio.
Essas
cartas perdidas, estão escritas em papel e não passam de cadafalsos
onde o corpo foi guilhotinado. Neles se perde a cabeça mas ninguém
aparentemente morre. Mas é mais ilusão, porque já todos são
fantasmas destruídos pelas sílabas afiadas.
Tento
de novo escrever a carta de amor mas o coração está carcomido, a
vida estala, o desespero rói e a falta de ar não é produto de uma
sinfonia apaixonada, mas apenas um carrasco que se ergue em cada
manhã. Por vezes é mais fácil estender os dedos da noite sobre a
nossa pele!
Retorno
à carta, com ou sem destino, mas as palavras resvalam entre a
ternura e a paixão, começam a escrever nos corpos com poemas
entranhados a cortar como facas. Possivelmente acho que estou
enganada, que não sei a quem escrevo, que não sei nada porque
ninguém sabe. Mais uma vez volto a enganar-me mas afinal é do
engano que nascem as cartas de amor.
Insisto
mesmo que o amor se cale numa quase morte. E se há coisas que
esqueci, outras não quero lembrar e é preferível misturá-las com
sumo de laranja e beber cada gota como se fosse cicuta.
Surgem
palavras cheias do meu sangue. Por vezes tímidas, por vezes
destemidas, focadas numa guerra que cresce nas veias e cria uma
devastação da qual não consigo regressar.
Talvez
seja melhor assim. Voltarei à carta de amor quando as lágrimas
regressarem ao meus olhos secos.
Margarida Piloto Garcia
Foto de Laura Makabresku