sexta-feira, 22 de março de 2024

Amor e lágrimas




Há quanto tempo não escrevo uma carta de amor? Se calhar era paixão e eu não o percebi. Ou talvez um amor sonhado. Nada como um amor cismado a rasgar pulsos! Descubro umas tantas por aí, mas são mais de uma tristeza esfaqueada que se alonga na penumbra da casa. Em todas elas me abandonas como os pesadelos onde não há antídoto que dilua o veneno no sangue, ou morfina que debele a dor que cresce no silêncio.

Essas cartas perdidas, estão escritas em papel e não passam de cadafalsos onde o corpo foi guilhotinado. Neles se perde a cabeça mas ninguém aparentemente morre. Mas é mais ilusão, porque já todos são fantasmas destruídos pelas sílabas afiadas.

Tento de novo escrever a carta de amor mas o coração está carcomido, a vida estala, o desespero rói e a falta de ar não é produto de uma sinfonia apaixonada, mas apenas um carrasco que se ergue em cada manhã. Por vezes é mais fácil estender os dedos da noite sobre a nossa pele!

Retorno à carta, com ou sem destino, mas as palavras resvalam entre a ternura e a paixão, começam a escrever nos corpos com poemas entranhados a cortar como facas. Possivelmente acho que estou enganada, que não sei a quem escrevo, que não sei nada porque ninguém sabe. Mais uma vez volto a enganar-me mas afinal é do engano que nascem as cartas de amor.

Insisto mesmo que o amor se cale numa quase morte. E se há coisas que esqueci, outras não quero lembrar e é preferível misturá-las com sumo de laranja e beber cada gota como se fosse cicuta.

Surgem palavras cheias do meu sangue. Por vezes tímidas, por vezes destemidas, focadas numa guerra que cresce nas veias e cria uma devastação da qual não consigo regressar.

Talvez seja melhor assim. Voltarei à carta de amor quando as lágrimas regressarem ao meus olhos secos.




Margarida Piloto Garcia


Foto de Laura Makabresku

 

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