domingo, 3 de setembro de 2023

Loucos





Só os loucos escrevem

debaixo da canícula da tarde

polindo as palavras na areia

enquanto o suor desfaz em borrões

cada frase, cada letra ,

como se varresse uma convidada indesejada.

É a poesia que cheira a maresia

e sobe pelas narinas

desfazendo-se em imagens do passado.


Só os loucos sabem

das possibilidades dos inocentes vingarem

quando brincavam ao sol

sem necessitarem de palavras.

Antes tinham ainda o fogo sem marcas

sem que no coração restasse cinza morna.


Na areia o poema esquecido

já não é o mesmo. Transfigurou-se

e desapareceu sob outros destroços.

Com a água nos flancos, os loucos

lambem gota a gota o sal

com que insistem em escrever.




Margarida Piloto Garcia-in ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA"Entre o sono e o sonho"-Volume XV


Foto de Anna Heimkreiter