Só os loucos escrevem
debaixo da canícula da tarde
polindo as palavras na areia
enquanto o suor desfaz em borrões
cada frase, cada letra ,
como se varresse uma convidada indesejada.
É a poesia que cheira a maresia
e sobe pelas narinas
desfazendo-se em imagens do passado.
Só os loucos sabem
das possibilidades dos inocentes vingarem
quando brincavam ao sol
sem necessitarem de palavras.
Antes tinham ainda o fogo sem marcas
sem que no coração restasse cinza morna.
Na areia o poema esquecido
já não é o mesmo. Transfigurou-se
e desapareceu sob outros destroços.
Com a água nos flancos, os loucos
lambem gota a gota o sal
com que insistem em escrever.
Margarida Piloto Garcia-in ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA"Entre o sono e o sonho"-Volume XV
Foto de Anna Heimkreiter