quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Lars Von Trier






LARS VON TRIER


É preciso compor o silêncio

com esta dor satânica a afundar-se

no mar imenso deste inferno sem ti.


Há mãos e línguas que me submergem

e eu só sinto o coração a desgarrar

mesmo que pernas, umbigos e peles

me trespassem e cubram.


Faço e desfaço a noite em ondas de paixão

que não é a minha.

Essa, jaz debaixo de uma pedra

arremessada num dia de verão.


E agora…

como levantar-me do chão

e não desistir

se os olhos são carrascos

e não importa o que se escreva

quando todas as letras são escarlates

e tu não entendes

que a mudança é por ti.




Margarida Piloto Garcia in-LETRAS EM MARCHA- publicado por Calçada das Letras-2021

 

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Akira Kurosawa




                                                                 AKIRA KUROSAWA


Quando a pulsação rebenta e o sangue jorra

as mulheres acolhem em si os temporais.

Abrem os braços aos bombardeios

para acolherem os filhos.

Desfazem-se em luzes e estilhaços

no meio de lânguidas canções e

respiram as cinzas das batalhas.

Sobrevivem às ausências

mesmo com a alma negra e o punhal pronto

para um qualquer ritual de seppuku.

São guerreiras que não estão na sombra

seja qual for o terreno da batalha.

Não podem hesitar sob pena de matar o sonho

e não haver futuro para amar.

Quando se despedem levam cardos na alma

e o medo dos dias crucificados.

Por vezes, como os grandes poemas

ficam na História.

Mas acreditem, elas só querem ser felizes!




Margarida Piloto Garcia in-LETRAS EM MARCHA- publicado por Calçada das Letras-2021



 

sábado, 11 de setembro de 2021

Claude Lelouch







CLAUDE LELOUCH


Na dúvida que tudo isto seja um sonho

dancemos em plena agonia de prazer

corramos ao longo de qualquer coisa

que não seja zero, que não nos torne

avaros à ternura e à invenção do amor.



Fujamos descalços, descubramos a vida

em enlaces e verbos novos, mesmo que

já nos tenham dado ou dito.

Troquemos as peles, beijemos com dentes.


Se a minha voz tiver o som de uma sereia

rende-te hoje, porque amanhã posso

não ser feliz e estar morta como se faz nos filmes.


Se eu fosse a ti

apertava-me de novo entre os teus braços.




Margarida Piloto Garcia in-LETRAS EM MARCHA- publicado por Calçada das Letras-2021











 

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Anthony Minghella






"O cinema é um modo divino de contar a vida”

Federico Fellini




ANTHONY MINGHELLA


Nasceu o dia e as sombras na almofada

ganharam o espaço de um fantasma.

Mesmo que se acenda o fogo, as feridas

roem esta tempestade de verão.

Corro atrás da tua ausência e o passado

beija-me com facilidade e paixão.


Nasceu o dia e o amor antigo açoita-me

com o negro das pupilas e o vestido

abre-se ao descuido na areia.

Não importam os ruídos à volta.

Tudo é deserto menos nós.


Nasceu o dia e a boca sem beijos

enche-se de fúria e morde a tua sombra.

As memórias não fazem sentido

quando a escuridão é tudo aquilo

que acolho e aperto nos meus braços.




Margarida Piloto Garcia in-LETRAS EM MARCHA- publicado por Calçada das Letras-2021


 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Terra




TERRA


Piso a terra húmida do orvalho

aspiro o perfume acre da manhã

e colho a laranja, mordo a maçã.

Pés descalços, lanço as sementes

espero-lhes o vicejar, o fruir,

como se espera um filho.

Ergo os braços ao sol

numa curva sem princípio e fim.

Na vertigem das papoilas

esqueço o que não é importante.


O corpo sabe do que a terra fala

da sua língua, das mãos revoltas,

dos animais, do trovão interno,

do milagre das manhãs.

Debaixo de uma laranjeira

aprendemos todos os impossíveis

mesmo que doam.

As cidades são de pedra e rasgam-nos.







Se fosse possível viver de um quase nada, bastavam os 4 elementos.




Margarida Piloto Garciain-OPUS-4-Selecta de poesia em Língua Portuguesa- publicado por  TEMASORIGINAIS-2021



Foto de Armindo Ferreira

Água





ÁGUA


É ali que fica:

no fio condutor que a leva

das ondas salgadas ao curso dos rios.

Dos mares em que nunca mergulhou

retém o sonho emprestado,

tal como dos lagos escoceses frios e nublados.

Já os rios têm demasiadas pontes

que só a ligam ao passado.

Correm com intenção, furiosos ou calmos

num último destino, como a morte.


A água é o apelo imutável

a rota dos naufrágios da vida

a adição que lhe entra nas veias.

Os cabelos molhados são serpentes marinhas

ao redor de uma sereia desiludida.

Os cardumes anónimos bordam carícias

numa distopia íngreme e imaginativa.


Da água nasce uma danação

uma súplica pela verdade.

Parte dela repousará um dia nesse leito.


São os regressos ao princípio

que regem todos os finais.




Margarida Piloto Garciain-OPUS-4-Selecta de poesia em Língua Portuguesa- publicado por  TEMASORIGINAIS-2021