quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Ao Rui Costa

 






                                                                              “Há pessoas que amam

                                              Com os dedos todos sobre a mesa...”


                                   Rui Costa -A nuvem prateada das pessoas graves.




Ao Rui Costa


Acredito poeta, que todos somos cúmplices

do teu mergulho na morte.

Todos os homens e mulheres que te corroeram

os poemas, a areia da praia, as maçãs, o pão fervente.

É na memória da pele que os teus versos cheiram a laranja

mas se transmutam em nuvens prateadas ou se fendem

em matizes fermentadas.

Tu só te envolves nas guitarras da Mana Calórica

e desprendes-te sem sombras de todas as amarras.

Desconcertante o teu desassossego

e as tuas torrenciais palavras.

Ali, no bar em Miragaia, sem vaidades e transparente

juncaste os poemas de lutas metafóricas

e soubeste ser frágil e desafiador.

Com os dedos todos escreveste promessas e solidão.


Um poeta assim, terá sempre o amparo da sombra da ponte

mesmo que não tenha sido preciso voar.




© Margarida Piloto Garcia in-"SOB EPíGRAFE"-TRIBUTO AO MEU POETA- publicado por Temas Originais 2021

sábado, 9 de outubro de 2021

Amanhã








Fico

no rebentar salgado e sufocante

na onda que cresce emaranhada

na pele que arrasta as tuas mãos



Desenho

a nudez das palavras

a crescerem vulcânicas na raiva

ferozes como giestas bravas



Sinto

a alquimia secreta dos amores

o corpo a parir sol e chuva

feita das lágrimas vorazes



Morro

no frenesim de acontecer

hoje de novo, mais e mais

porque o amanhã é só uma ilusão




Margarida Piloto Garcia



Foto de Navin Vatsa



domingo, 3 de outubro de 2021

Jane Campion





JANE CAMPION


Esta estranha paixão, agita-me os cabelos

como um prodígio de luz intensa

roça-me as pernas como as folhas do chão

e afia-me os seios com as notas lentas do piano.

Há que bebê-la em pequenos goles

não vá fazer ferver a pele e sucumbir

ao rasgar do corpo, mesmo envolto em veludo.

As notas soltam-se sobre o mar

imensas e transparentes

ou rasgadas e em fúria.

O mais difícil é suster na boca

o poema silencioso. Só as mãos se agitam

e me pedem que vá, que deixe escorrer

um rasto de fogo e me consuma.


E pouco a pouco reaprendo

o caminho do desejo

e esqueço que a felicidade é fugaz.





Margarida Piloto Garcia in-LETRAS EM MARCHA- publicado por Calçada das Letras-2021