terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Pânico








Quando te aproximas, parto.
Refaço o caminho nesta fuga desamparada.
Nada me resta mas há mais perigo noutro percurso.
Alterno a vida, engasgo as dores
e a vida a metro não faz sentido.
Sucumbo ao salto, usurpo o golpe, monto a armadilha.
O medo instala-se e manipula, cega-me as asas.
Mas não há primavera na tua tela negra.
O teu “para sempre” tem a finitude de um caixão
de onde não posso ver as estrelas.
Os meus gritos são poeira cósmica
quartos minguantes cegos e distraídos.
Ninguém os ouve, ninguém os vê
apenas eu percorro as noturnas veias
à espera de encontrar um sangue penetrante
como uma estaca no fundo de mim.
Não é uma desistência esta fuga declarada.
Mas há estilhaços nos abraços e facas nas palavras.
Fico semente, colhida no terror de não dar flor.
Por isso parto com um cemitério de memórias
e as lâminas que tenho não me ferem mais
nem a voracidade dos dias me corta os dedos.



© Margarida Piloto Garcia-OPUS-3-Selecta de poesia em Língua Portuguesa- publicado por  TEMAS ORIGINAIS-2020
© Foto de Suzy Parker

Sem comentários: