segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Equilíbrio







Abro as cartas que perderam a cor
e só leio gritos.
Tento esticar as asas para me equilibrar
mas os ventos desnudam-me e sem pedir licença
trazem-te de volta.
Volto ao vazio, à cumplicidade mecânica e obscena,
à submissão feita de pedra lascada, ao amor polido,
à arcaica história das rosas com espinhos.
E retorno ao denodado equilíbrio, sem saber a direção,
a colocar pé ante pé, sem renascimentos pretéritos.
Sei que a esperança de viver está toda nesse equilíbrio
mas este silêncio é uma ferida aberta
um corpo inteiro rasgado ao cosmos.
Caminho numa corda tensa, numa ânsia agonizada.
Sou transparente neste precipício, neste bater de asas
e amo cada caminho tal como os reescrevo com raiva.
Submerjo-me em lagos frios, sem que os lótus
me brotem dos lábios ressequidos.
É tão depressa esta vida que nos marca o ventre
que nos esmaga os seios e enruga os olhos!
Equilíbrio é a insubmissão nesta terra impura.
Quando a guerra chama, escrevo com canetas
de vermelho sangue permanente
as palavras cansadas onde o equilíbrio se perdeu.




© Margarida Piloto Garcia.-OPUS-3-Selecta de poesia em Língua Portuguesa- publicado por  TEMAS ORIGINAIS-2020
Imagem © Benjamin Von Wong



1 comentário:

João Santana Pinto disse...

Fico em palavras com algo tão belo, tão pelo de dor quanto a vida, tão belo quanto a vida e com uma mensagem de força…

Fiquei encantado com as suas sentidas palavras.

Abraço e boa semana