sexta-feira, 6 de junho de 2014

Poeta suicidado





Amanheceu num dia onde a sombra do corpo não cabia na casa e as mãos se esvaíam
desde os pulsos até à ponta dos dedos em palpitações de arame farpado
Alongou os braços impertinentes para abrigar a inusitada lágrima
Sugou os lábios cobardemente ansiosos e resistentes, inflamados de uma luta
sem máscaras
Olhou-se num divórcio silencioso como se as cores lhe tossissem dos olhos e o futuro castrado
se afundasse sem remos
Atreveu-se a escrever um verso sem cauda de cometa, atropelado pelo vazio do corpo
E de repente a vida afunilou, bebida de um trago, e o esquecimento levou-lhe a insanidade
à galáxia presa nos cabelos
O poema perfeito só se escreve depois.


© Margarida Piloto Garcia  in "II ANTOLOGIA DE POETAS PORTUGUESES, ANTOLOJIE DE POEJI PORTUGHEZI"-publicado em Portugal e na Roménia-EDITURA PIM-2019

© Foto de Solve Sundsbo




1 comentário:

vitor correia disse...

..."E de repente a vida afunilou, bebida de um trago,"..Há muito que não lia frase tão lancinante.Na continuação da angustia que maravilhosamente consegue transmitir.Curto ( o que não é habitual em ti), mas duma profundidade que atinge a alma...Obrigado