domingo, 1 de setembro de 2019

Cegueira








Chove.
Chove há muito, mesmo que faça sol.
Chove desde o dia em que deixei de ver as nuvens
penduradas na janela a fingir horizonte.
Encurralada entre sombras, não meço distâncias
nem descubro gestos.
Onde a noite se deita, mascaro o amor de pedra
polindo as arestas mas cobrindo as feridas com sal.
As manhãs são sempre negras ou é a minha cegueira
que insiste em esconder o sol.

Chove.
Chove sempre que te relembro, mesmo que tenha
feito sol, mesmo que a primavera despontasse em mim.
É fundamental que as grilhetas não entrem no sangue
e as feridas não infetem com as memórias.
O que importa é que a ausência seja o tempo do nada

o tempo da cegueira.





© Margarida Piloto Garcia  in "IDEÁRIOS" publicado por A CHAMA 2019



© Foto de Georges Dambier

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