Finalmente arrumei as gavetas.
Deitei
fora as cartas. Eram fórmulas mágicas
a
prenderem-me à terra e estigmas
com
que passava as noites. Ficou muito espaço
para
arrumar o coração. Agora também posso
pendurar
as lágrimas no armário, ou melhor ainda,
levá-las
com o cão à rua e deixá-las a adornar as flores.
Já
têm pouco sal, não devem fazer mal.
Cuidar
do amor exige mestria. Os pedaços colam
de
modo informe e desacertado e deixam arestas.
Assumi
a reforma, não quero cuidar de nada.
Deitei
todos os despojos no lixo, varri o teu fantasma
e
o tempo em que era pássaro de gaiola.
Dentro
de mim não há mais mágoas trituradas
e
os sonhos vêm sem que o nevoeiro me penetre os ossos.
Já
não tropeço cega e rastejante a perseguir sombras.
Enquanto
te amei, estive sempre só. Hoje entrei
pelo
espelho e fiquei completa, cara a cara com o meu eu.
Cumprimentei-me
com o suspiro de quem se reencontra
e
lembrei-me da canção que antes ouvia.
“E
vem-nos à memória uma frase batida
Este
é o primeiro dia do resto da tua vida”
© Margarida Piloto Garcia in-"RONDA DA NOITE"- publicado por TEMAS ORIGINAIS- 2019
© Foto de Josefina Melo
© Foto de Josefina Melo
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