sexta-feira, 18 de abril de 2014

Agora



Agora é tarde.
Fez-se noite nos meus olhos e a melhor parte de mim não tem ponto cardeal.
Nada de novo a este ou a oeste e os sábios são cegos,  ébrios e de uma pequenez  árida.Tenho um passo não dado nos trilhos do teu corpo, nas esperas eternas e desfardadas das noites brancas, nos desejos secretos das curvas sem memória.
Finco os pés em cada pensamento colado em mim.
Sinto-os desajustados e impertinentes a levarem de mim a temperatura, o gargalhar, o suspiro das lágrimas, as curvas e contracurvas do corpo ansioso. Agarro-me a cada soalho que pisei com sapatos de esperança e abro os braços a escorar as paredes da ira.
É preciso esperar que a vida tenha quatro cantos como uma lua louca nos atalhos da razão.
É preciso esperar que tu chegues, mesmo que as palavras a tiracolo se tornem impossíveis de suportar de tão desafinadas e sem pauta que as sustente.
E depois...
Nego essa paz redonda feita de mudos vocábulos.
O corpo quer é pinceladas fortes na pele e verbos a roerem o baixo ventre.



© Margarida Piloto Garcia in "IDEÁRIOS" publicado por A CHAMA 2019


© Foto de Shabina Nadegna




1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

"Agarro-me a cada soalho que pisei com sapatos de esperança e abro os braços a escorar as paredes da ira. É preciso esperar que a vida tenha quatro cantos como uma lua louca nos atalhos da razão.
Todo o texto é excelente, mas este excerto que destaquei é ainda mais brilhante.
Margarida, minha querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijo.
PS: já não te visitava há imenso tempo, mas vejo que continuas a escrever coisas maravilhosas.