terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Navalha de Hanlon


                                                                Navalha de Hanlon


O dia desperta quando te inclinas na janela

e vês o rio que te amarra ao desassossego

como um defeito de fabrico.

Sem que ninguém perceba agarras-te

às manhãs, mesmo que depois não suportes

a metamorfose dos dias.

Por vezes ficas imóvel, cheia de lágrimas

que já não são precárias e por isso

não correm como o rio que avistas da janela.

Os silêncios são apenas a recusa de viver

à mistura com o acorde perfeito de uma dor

que se ajusta ao corpo em espartilho apertado.


Crês que o que outros fizeram,

ou mesmo o que fizeste, foi a fome da malícia

a negritude do engano. Não sejas tola.

Debruça-te na janela e percebe a estupidez humana.



Margarida Piloto Garcia


Arte de Elena Aldea



Lei de Mencken

Lei de Mencken


Vamos à missa lavar os pecados

ajudamos os animais e tratamos dos desvalidos.

Fazemos compras com moderação

e comemos coisas sustentáveis.

Poupamos na água e na eletricidade

evitamos desperdícios e ajudamos

nos fracassos alheios.

Esbanjamos simpatia e fidelidade

com a timidez própria das ovelhas.

Não gritamos para não ofender quem

se incomoda com a nossa voz.

Perseverantes e acomodados

seguimos como grito afundado na garganta.


Podemos esconder o incomformismo

quando as verdades doem e são inoportunas

que nem mesmo assim nos salvamos.



Margarida Piloto Garcia


Ilustração de Edward Corey