domingo, 30 de novembro de 2014

Pensamentos soltos




De que servem os braços onde não cabes?
Lianas sem flor azul nascidas em mãos de adaga.
De que serve a pele, plena de um momento cheio
desde o dia em que a madrugada acordou o meu pulso?
Essa pele onde as armas escreveram desalinhadas vogais
e os dias naufragaram no vício maduro e intrometido.
De que servem os olhos, frestas incendiadas?
Nem anjos nem demónios se escondem
nas palpitações dos cílios que beijaste.
De que serve a boca onde as estrelas acordam?
De nada, sem essa respiração suspensa sobre mim
e a tua invasão destes meus lábios cerrados.



© Margarida Piloto Garcia

© Foto de Joné Reed





quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Parto



Do ventre solta o fio do grito e corta a paixão umbilical
tão macia e voraz que não a dessedenta
Leva o olhar a fingir uma reza até que nada veja
nem o grito que sobe, nem as mãos desvairadas
a moldarem em cálculos infinitesimais o lugar vazio.
O grito sobe e o sismo viaja nos caminhos do corpo
numa pornografia de tendões e músculos
numa ode orgíaca de pele e rios caudalosos
Engole as palavras a fingir que é saliva
e só o grito paira sobre si, agora morno e pálido
agora sonolento, até que o gere uma outra vez




© Margarida Piloto Garcia


© Foto de Jaroslaw Datta