segunda-feira, 31 de março de 2014

Lábios






Fervem os lábios enquanto brilham na espera
e eu amo-te tanto
que não sei porque as bocas estremecem
no medo de se darem
Perdem-se as bocas em línguas de fogo
e eu amo-te ainda mais
mas não posso dizer-to
Se os lábios se envolvem num espasmo desmedido
eu rasgo-me louca na polpa agridoce
Neles se tocam os seios e os sexos
as palavras e os silêncios
neles se enredam histórias e estremecem estrelas
e as explosões dão-se em eternos segundos
Por isso amo-te
mas guardo na boca fechada o teu nome
porque ele é um segredo a florir nos lábios


© Margarida Piloto Garcia-in AMANTES DA POESIA I-publicado por EDITORA UNIVERSUS-2014





segunda-feira, 24 de março de 2014

Outras palavras




Matam, as palavras que escorrem nos cantos dos olhos
ansiosas, brutas, paralisantes de agonias tóxicas.
Vampirizam-nos as vogais numa deslumbrante dança
com sensuais e cúmplices consoantes .
O sol de cada manhã jaz parido nas mãos de noite
que celebram afectos. Cúmplice de tudo, o coração
esbofeteia-nos no pingar das horas solitárias.
E as palavras voltam a morder as entranhas
numa sofreguidão plasmada. Erguem-se as verdades
e às escondidas dão-nos bússolas que comemos
com a mesma boca com que engolimos as palavras
com a cortesia anónima com que olhamos os outros.
Cegas, rolam para os dedos e escrevem matreiras
as confissões histriónicas cheias de declarações
a secar a boca e a chegar o sal à pele.
No fim, o tempo corre e quem paga é a chuva
e o vento, e a dor que passa apressada.
Resta a vida vociferada, a ternura fechada
na gaveta e o corpo que urge.

© Margarida Piloto Garcia in-"SOB EPíGRAFE"-TRIBUTO A JORGE DE SENA- publicado por TEMAS ORIGINAIS- 2019





sábado, 15 de março de 2014

Apenas mais um dia




Era o tempo dos aromas, das fragâncias quentes a cheirar a sol, das melodias entranhadas, do toque sensual da areia fina das madrugadas.
Era a hora dos sentires rubros, dos olhares como farpas, dos primeiros beijos, da pele com sabor a caramelo.
Eram o tempo e a hora dos horizontes infinitos a levedarem nela.
Era o mundo à espera e o coração a rebentar pelas costuras na juvenil ganância de viver.
Pensava que a vida era uma linha recta, na qual poderia desenhar floreados equilibristas gerados pela mente. As metas eram oníricas e de uma louca fantasia escrita em livros de contos.
Os recantos escondidos onde se abrigava, tinham o sabor do fruto proibido e permitiam um nirvana onde a realidade não deixava pegadas.
Achava que o amor devia ter um gosto doce, feito de rebuçados duros donde o recheio suculento, tombava sobre a língua expectante. A paixão só poderia ser uma fera acutilante mas com um subtil travo a especiarias.
Pensava mesmo, que seria impossível não aprisionar nas mãos, os dias impolutos em que era gazela estonteada pelo brilho do sol, antes de sentir a agitação que a tornava loba nos luares da vida.
E depois, havia aquela transumância dos afectos, a eterna procura do Graal, enquanto os sonhos migravam deixando-a árida e grávida de recordações,
Mas os caminhos eram tortuosos e as rectas, se as havia, tinham o rigor preciso e matemático de um eterno labirinto a murmurar solidão.
As palavras que adorava transformaram-se em fumo.
Os homens que amara trocaram-na por tudo.
A vida que a prende é um fio pálido na neblina. Não tem um pouco de asa, nem sinal de colo.
Cabelos rebeldes ganharam laivos de lua enquanto ela pensava.
A força telúrica que a movia, ainda viaja e a percorre , a deixar rastos quer de fogo, quer de cinzas.
Adormece sempre no cansaço dos gestos e da vida ao lusco-fusco.
Acorda sempre nas manhãs deslavadas, vestindo o fantasma do corpo mal amado.
Não sabe porque segue.
Talvez porque tem raivas esdrúxulas, esquírolas que a ferem mas a espicaçam.
Talvez porque sempre foi assim, ingénua e despudoradamente sôfrega, uma louca em banda desenhada.


© Margarida Piloto Garcia

© Artworks by Montserrat Gudiol






sexta-feira, 7 de março de 2014

Ausência




Se eu não estiver mais aqui
não me procures se as aves não regressaram
ou se os poentes se tornaram indecifráveis
Não questiones o tempo que foi meu
nem as palavras escondidas nos meus seios
e carregadas pelos meus ombros famintos
Se eu não estiver mais aqui
no local onde os lábios são sangue
e as pernas se entrelaçam sequiosas
nesse tempo onde os olhares se canibalizam
e os ventres se guerreiam ardendo
perceberás que eu só sou, se tu fores em mim
e este mundo só foi nosso porque nos demos.


© Margarida Piloto Garcia-in AMANTES DA POESIA I-publicado por EDITORA UNIVERSUS-2014

© Arte de Tomasz Rut