Preciso habituar-me à imperfeição, logo eu, de
imperfeições feita
agarradas aos olhos e ao cérebro latejante
Ergo-me inconformada e inquieta, o rio do corpo a
correr não sei para que foz
as margens a tropeçarem nos azares e a vida a tentar
passar a fronteira da pele
Mas que importa, se crias outro dialecto com que me
assombras com a futilidade de um romance!
Às vezes o coração fica míope de tão inocente e
desacertado
E depois? Olho para trás e para dentro , a mão
nervosa a tocar os olhos
como se as lágrimas fossem cordas de guitarra.
Os anjos puxam-me o cabelo e os pássaros abraçam-me
com asas cinzentas
a salvarem-me do que não controlo, olhos magoados a
escoarem dores.
Não grito como flor aberta, não deixo escorrer por
entre os dedos
o desassossego da sede feroz e da fome a roer as
entranhas.
Agarrada ao sonho teimo cegueiras em palavras
lúdicas
em cheiros de corpos que a paixão louca não
questiona
em sabores engolidos e pele a arder no vazio
enclausurado.
Mas emudeço os tacanhos e delirantes sentimentos
porque algures num mundo escangalhado sem velas e
sem leme
mais uma mãe encosta o corpo na fronteira da dor
e exausta, desabita a lucidez enquanto abraça o
filho morto.
© Margarida Piloto Garcia in "IDEÁRIOS" publicado por A CHAMA 2019
© Foto de Jonè Reed
1 comentário:
"Ergo-me inconformada e inquieta, o rio do corpo a correr não sei para que foz
as margens a tropeçarem nos azares e a vida a tentar passar a fronteira da pele" Este Desabafo mostra que afinal não és tão incorfomada.Belíssimo texto.Não pares nunca......pelo menos até te conseguir ler
Enviar um comentário