Há muitos anos, era parte de mim a lua pendurada no
teu corpo. Tu ias e vinhas na noite, num tropel que nem os cavalos do sonho
conseguiam acompanhar. Nada era realidade a vestir-me o corpo e apenas o medo
penteava os meus cabelos.
Tu seguias imune aos meus apelos, orgulhoso e
falsamente convencido de que a estrada do luar era só tua. Agarrada a ténues
esperanças, abri-te os braços vezes sem conta, na vã tentativa de que eles
fossem abrigo e casulo, fossem caminho e cama de amores lunares. Mas a teia dos
segredos a palpitar nos olhos, sempre nos enredou e os lobos a morderem a pele
numa luciferina sedução, foram sempre vencedores.
Hoje os dedos doem-me quando toco o luar e me tento
demorar na pele do teu corpo.
É em quarto minguante que a lua te recorta,
suspirando maresias insensatas e insuspeitas. Nada consigo ouvir, os sons
enclausurados num outro universo, nada consigo ver, cega pelas mentiras embrulhadas
em papel colorido. E as palavras que poderia dizer ou gritar, calo-as porque
perdi as asas de gaivota ao cruzar o último céu.
Com o teu lado escuro tentas agarrar-me num abraço
luarento, os olhos postos, não em mim, mas na feiticeira iluminada numa
gritante noite azul.
Mas algo se recolhe em segredo, refugiando-se dos
gestos gastos e mínimos. Não tenho mais desejos grávidos de ti porque os
isentaste de mim.
Agora, só desejo guardar aquele lugar mágico , inviolado e secreto que
nunca corrompeste.
Toma para ti o que com esqueléticas razões julgaste
ser teu. Deixa-me apenas o mundo da lua.
© Margarida Piloto Garcia in- O MUNDO DA LUA-publicado por EDITORA LUA DE MARFIM-2014
© Arte de Dimitar Voinov Jr
1 comentário:
Ler este teu belíssimo poema e ao mesmo tempo ouvir a entrada do Hablla con Ella,é algo de sublime que a minha memória não vai poder esquecer.
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