Enleio as mãos no cabelo ressuscitando um antigo
formigueiro nos dedos. Sigo caminho rumo aos lábios, sentindo-lhes a textura
suculenta. Divertida, olho para o espelho onde aquela mulher, real, mas cheia
de magia, me provoca e com um piscar de olho inusitado e burlesco, me seduz.
Como adoro perceber que há um corpo curvilíneo,
cingido num vestido cor de céu a ocultar estrelas!
Rodopio num louco devaneio, o corpo em chamas, a
mente como uma ave liberta do cativeiro. Tenho ondas, ora salgadas, ora doces,
a percorrerem-me como um tsunami.
Atiro-me para cima da cama, jogando os sapatos
vermelhos de salto agulha pelo ar. As meias gritam-me nas pernas e a lingerie
ousada que só eu vi, canta-me um jazz melódico, rouco e lânguido.
De repente apetece-me gritar e expulsar a outra que
eu era. Vestida de modo sorumbático, cabelo apanhado, um corpo a fingir-se
morto e enlutado. Uma mulher-sombra, pacata, uma espécie de rato pardacento.
Era isso que eu era? Sou isto que sou?
Sempre me afundei nos livros e resguardei em
retaguardas, náufraga a nadar violentamente em busca de terra firme. Nunca a
alcancei porque há sempre um samurai implacável a traçar-me caminhos.
Estranho que a Teresa me tivesse escolhido para a
substituir hoje. Claro que primeiro recusei. Como transformar-me no que não
sou? Numa mulher enigmática, elegante, vibrante de sensualidade? Mas a Teresa
foi tão persistente! Afinal era apenas um almoço de negócios onde teria de
entregar projetos que conheço mas de onde nunca emerjo como resplandecente
borboleta. Esse é o papel dela neste nosso teatrinho diário.
Curiosamente, esta mulher de cinza, escondida de
todos, fechada num casulo, aceitou. E o pó de fadas que agora sinto a
espalhar-se pelo corpo e pelo sangue, começou a possuir-me.
Sentir-me admirada, poder conversar, olhar nos olhos
de outros sem esconder os meus, rir num riso quase cúmplice que me veio de
dentro e me brilhou no corpo como um arco-íris, foi um prazer quase dissoluto.
Foi febrilmente orgásmica a satisfação com que me
penteei e vesti com roupas que nunca usara. Não pretendi seduzir ninguém,
apenas a mim.
E aqui estou
eu, numa embriaguez de sentidos e sentimentos. A Helena de ontem não é aquela
mulher que vislumbrei no espelho e que agora se estende voluptuosa na cama.
No fim de um dia onde cada minuto me mordeu a pele,
já não sei quem sou.
© Margarida Piloto Garcia
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