Era o tempo dos aromas, das fragâncias quentes a
cheirar a sol, das melodias entranhadas, do toque sensual da areia fina das
madrugadas.
Era a hora dos sentires rubros, dos olhares como
farpas, dos primeiros beijos, da pele com sabor a caramelo.
Eram o tempo e a hora dos horizontes infinitos a
levedarem nela.
Era o mundo à espera e o coração a rebentar pelas
costuras na juvenil ganância de viver.
Pensava que a vida era uma linha recta, na qual
poderia desenhar floreados equilibristas gerados pela mente. As metas eram oníricas
e de uma louca fantasia escrita em livros de contos.
Os recantos escondidos onde se abrigava, tinham o
sabor do fruto proibido e permitiam um nirvana onde a realidade não deixava
pegadas.
Achava que o amor devia ter um gosto doce, feito de
rebuçados duros donde o recheio suculento, tombava sobre a língua expectante. A
paixão só poderia ser uma fera acutilante mas com um subtil travo a
especiarias.
Pensava mesmo, que seria impossível não aprisionar
nas mãos, os dias impolutos em que era gazela estonteada pelo brilho do sol,
antes de sentir a agitação que a tornava loba nos luares da vida.
E depois, havia aquela transumância dos afectos, a
eterna procura do Graal, enquanto os sonhos migravam deixando-a árida e grávida
de recordações,
Mas os caminhos eram tortuosos e as rectas, se as
havia, tinham o rigor preciso e matemático de um eterno labirinto a murmurar
solidão.
As palavras que adorava transformaram-se em fumo.
Os homens que amara trocaram-na por tudo.
A vida que a prende é um fio pálido na neblina. Não
tem um pouco de asa, nem sinal de colo.
Cabelos rebeldes ganharam laivos de lua enquanto ela
pensava.
A força telúrica que a movia, ainda viaja e a
percorre , a deixar rastos quer de fogo, quer de cinzas.
Adormece sempre no cansaço dos gestos e da vida ao
lusco-fusco.
Acorda sempre nas manhãs deslavadas, vestindo o
fantasma do corpo mal amado.
Não sabe porque segue.
Talvez porque tem raivas esdrúxulas, esquírolas que
a ferem mas a espicaçam.
Talvez porque sempre foi assim, ingénua e despudoradamente
sôfrega, uma louca em banda desenhada.
© Margarida Piloto Garcia
© Artworks by Montserrat Gudiol
2 comentários:
Apesar de tudo, é preciso prosseguir...
Este teu texto é brilhante. Não só pela forma da narrativa, que é muito poética e bela, mas também pelo conteúdo, um avaliar das coisas da vida que, afinal, não são como as imaginámos.
Já não te visitava há imenso tempo... mas mais vale tarde do que nunca.
Margarida, tem um bfs.
Beijo.
Poema lancinante.....Bem na linha da tua escrita que sempre valorizei.Deixas um amargo de boca ,quando escreves
"Adormece sempre no cansaço dos gestos e da vida ao lusco-fusco.
Acorda sempre nas manhãs deslavadas, vestindo o fantasma do corpo mal amado."
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