quinta-feira, 28 de maio de 2009

Véu




Grinaldas de flores
compoem-lhe o cabelo.
São rosas com cheiro
que a deleitam e a fazem sentir ausente.
Sente o corpo apertado,
num vestido branco imaculado
que lhe contrasta a pele morena.
É um segundo EU,
uma estrutura flutuante,
cheia de visões de mais e de loucuras.
Vê-se no espelho.Uma jovem pura de olhos brilhantes,
pairando em rendas de Calais,
em estruturas antigas de outro século.
O cabelo longo foi armado,
canudos de desejo, pendentes formados
valorizando-lhe a boca carnuda que adora o beijo arrebatado.
Algures em si a realidade feneceu de louca.
Ela não quer saber, embora mais tarde nesse dia
prove amargamente o cálice que a espera.
Mas agora, apenas se enrola
e orgásmicamente se estende
no véu que junca o quarto.

Margarida Piloto Garcia



terça-feira, 26 de maio de 2009

Vidro sem luz



Como são os pássaros que trinam em manhãs orvalhadas?
O ar é quente
Cheio de odores inebriantes, aveludados
sensações fortes que embriagam.
O que são flores?
Os cheiros capitosos penetram-no profundamente
enquanto acaricia a relva ondulante
macia, vibrante
de uma sensualidade que lhe desperta o corpo.
O que é verde, castanho, azul?
Como é um arco-íris?
O sol faz-lhe chegar aos lábios húmidos
a primeira gota de suor, sal do seu ser.
O sol que o cativa e estremece
a lua que lhe traz a languidez das noites caprichosas.
Estrelas...
Como são as estrelas de que falam as canções de amor?
Tanta coisa que sente e o faz despertar.
Sentimentos que lhe trazem vida
saboreando cada dia novas descobertas.
As mãos afagam com carinho o meigo animal que o acompanha.
Sabe-lhe bem esse contacto que lhe acalenta a alma.
Ergue-se lentamente enquanto abraça a vida
sorrindo das grandes maravilhas guardadas dia a dia.
Caminha numa passada lenta, saboreada e cautelosa.
Um contentamento mudo
molda-lhe os lábios sequiosos dos dias que correm
das noites que passam
dos mistérios insondáveis de um vasto universo.
Como são as pessoas que por ele passam?
Como são os seus olhos opacos como vidro sem luz?


Margarida Piloto Garcia



domingo, 17 de maio de 2009

Toque sentido




Estende a tua mão e sente-me.
Ignora o supérfluo...atinge o desejado.
Desvenda os mistérios escondidos, decifra cada cicatriz,
cada poro, cada traço.

Estende a tua mão e toca-me.
Os teus dedos são sensações de loucura,
plenos de desejos camuflados, escritos, devorados, assumidos.

Estende a tua mão e não digas que nunca te senti!

Os olhos descobrem a alma
a boca sensualiza o desejo.
E o toque dessa mão é tão subtil e apaixonado!

Percorre-me o vento da loucura.
Ardem em mim fogueiras milenares.

Estende a tua mão e mergulha nos meus sonhos,
sente a minha realidade,
engole a minha alma,
possui a minha carne e o meu eu.

Estende a tua mão e sê quem sou.
Percebe como amo e como quero,
até ao fim, sem soluções, sem trâmites.
Paixão pura, desejo insondável, réplica de terramoto emocional.

Estende a tua mão e ama.
Não te prendas com o que te rodeia,
não me troques pelas imagens do mundo apocalíptico.

Existo em ti, no teu sonho e na tua realidade.
Preciso da tua rendição, do teu suspiro sussurrado.

Vês o infinito nos meus olhos?
Sentes o imaginário na minha pele?
Receias a sensualidade dos meus beijos?

Estende a tua mão e sonha.
Apareço-te na névoa da lembrança...mas quero-te.
Nuvens, sonhos, fantasias, nada são.
Querer é mais.
Querer é ter.
Querer é possuir e sentir o objecto de desejo.

Estende a tua mão e descobre-me!

Margarida Piloto Garcia



domingo, 10 de maio de 2009

MÃE




Mãe

São dos meus verdes anos as primeiras lembranças de uma mãe sorridente, com alegria de viver, cantar, dançar e rir.Uma mãe com uma saia dos anos 50, belíssima no seu estampado de chapéus de sol amarelos em fundo preto.Ainda existe esse tecido guardado como precioso tesouro.Era uma mãe que me levava todos os anos, a descobrir a Feira do Livro, na altura na Av.da Liberdade em Lisboa, e onde eu me deliciava numa quase intoxicação literária.Começava o amor aos livros, pelos quais sempre nutri verdadeira paixão.Esses passeios, fazia-os com ela nas minhas idas à ginástica
do meu grande Sporting, onde tantos e tão belos anos passei.
Em breves imagens surge-me a minha vassourinha de brincar que um dia serviu de palmatória e o meu Migalhinhas, um pombo trazido de uma quinta e que um dia virou estufado sem eu dar por isso, e por arrasto lembro os seus petiscos e o afã que punha na noite de Natal, em compor os presentes que tornavam o dia 25 inolvidável.São memórias soltas precedidas por um sorriso.









Esse sorriso deu lugar a um olhar morto e vazio trazido pela doença, que já no fim da minha adolescência me mirava na espera de um fim precoce.
Mas mãe não há só uma e eu tive a sorte de ter tido duas.A minha tia-madrinha que vivia connosco e para quem fui a filha nunca tida, era a minha companheira por excelência.Enfermeira de profissão, levava-me com ela para um mundo que me encantava e desde as receitas inventadas às "experiências" químicas feitas com água, tinta e tanto frasquinho, ia todo um manancial onírico.Corríamos os jardins e os monumentos em maravilhosas descobertas.Nos campos perto de casa eu arquitectava histórias enquanto colhia flores e ia roendo azedas.Com ela descobri o teatro do qual fiquei eterna amante.Como era delicioso o Carnaval em que eu escolhia a máscara e partia com ela para as brincadeiras.Mais tarde vivíamos contos de fadas nos cinemas da capital e na minha adolescência descobria comigo o cinema de culto.No Verão a escolha de tecidos para a confecção de vestidos na modista, que o pronto a vestir estava no começo, era um manancial de vibrações como se escolhesse uma jóia no Tiffany's.Foi ela quem me abriu os olhos quando passei de menina a mulher e me seguiu por tantos lados, fazendo dos meus filhos, seus sobrinhos e seus netos.A saudade deixada foi enorme, como enorme era o seu amor.
Mães não são só as que parem.Mães são todas as que amam.








terça-feira, 5 de maio de 2009

Palavras




De palavras construí a minha estrada
de sonhos galopantes roubados à vida
sonegados na ponta de uma espada.
As palavras brilharam nos meus dedos
roendo bolores
polindo as feridas
enchendo de marés a minha alma.
Com palavras ungi o verbo amar
e rasguei as sedas do meu leito.
Algures por entre sonhos
as palavras são Pedra de Roseta
envolta em areia do deserto.
Sou uma nómada de sentimentos
à procura de oásis
onde sacie a sede dos desejos.
Levo colados
despojos de uma guerra eternamente travada.
Sigo qual tuareg
os áridos caminhos
que o maná das palavras
nem sempre pode atenuar.
Mas não encontro paz.
Sou apenas uma Xerazade
para quem as mil e uma noites
se esgotaram.


Margarida Piloto Garcia