sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Terra de Sal




Essa terra entrança-lhe o cabelo de salmoura.
Os gritos das gaivotas sulcam-lhe a memória como traineiras em mar revolto.
O cheiro da maresia é um perfume de evocações de Agostos idos.
Odores de creme Nivea, o da caixinha azul,
passados numa pele alerta, a imaginar toques proibitivos e sonhados.

Essa terra é um grito de explosão mar fora.
Passeios longos nessa areia partilhada de fulgores,
até deixar o sol morder a pele.
Solta nela o orgulho de mulher.
Traça-lhe os lábios o apetite de um beijo voraz.
Olhos castanhos rasgados de sonhos futuros!
Passeios largos,
rochas altaneiras,
esconderijos descobertos e partilhados.
Subidas fulgurantes em encostas a parir verde e cheiro a seiva.
Ameias de castelo debruçados em sons estereofónicos,
crias dadas à luz por carro veloz.

Essa terra debita-lhe na alma o sotaque arrastado
das peles curtidas pelo mar.
O som melodioso enrolasse-lhe na boca e transforma-lhe as vogais lisboetas em suspiros de sereia.
Traz-lhe em revoadas o espanto provocado da chegada.
Lembra-lhe os encantamentos induzidos,
quando desce de um autocarro,
quando sobe a ladeira,
quando brinca escondida na trama de um chapéu de palha.
Há fluxos de energia gerados pelos ventres quentes
nascidos da mente repleta e farta...insaciável!

Essa terra é um fruto que se come sôfrega
em pedaços carnudos e sumarentos,
mas também se mordisca e lambe até que o sal e o ácido lhe piquem a língua.
Ás vezes solta-se dela o cheiro do pão acabado de cozer,
morno e suculento numa madrugada.

Tem sons de quarto embebidos em desejo,
amálgama delirante de um romance bordado em desespero.
É uma paixão sonhada em vida, um rebentar pelas costuras.
Tantas ruas e esquinas cheias de pedras polidas
por onde deixou a vida escorrer.

Essa terra é-lhe mais fiel do que ela lhe foi.
Aceita-a de volta quando ela a renegou.
Debruçada sobre ondas em marés de Setembro
ela recolhe-a no seu útero,
ressuscita-a em procissão calcorreada
no cheiro de alecrim e rosmaninho.
Talvez os vultos que lhe rasgam a vida se entretenham
no apelo dessa baía.
Ela só quer lembrar o verniz às camadas,
o cabelo longo a cheirar a sol
os remos fendendo a água
as lapas brilhando no meio de ouriços do mar.

A pequena cama onde a criança dormiu
e a mulher sonhou, o gosto da farinha torrada,
vertida na boca que grita na brincadeira em génese,
são alguns dos alinhavos de que foi feita no tear da vida.

Essa terra tem lágrimas brilhando nas escamas
dos peixes saltitantes trazidos pela rede.
O vestido verde ajeita-lhe o primeiro soutien
escondendo-lhe e mostrando a pele suculenta
como um figo maduro.
Adolescência mergulhada em mar profundo,
pose altaneira de quem sabe o que vale.
Existe em si a semente dessa baía rasgada na serra.

Não importa quanto tudo mudou nela, na terra, na vida.
Essa terra é a sua alma e nesse mar fará a sua sepultura.

Margarida Piloto Garcia-in-POESIA SEM GAVETAS-PARTE II-publicado por PASTELARIA ESTÚDIOS EDITORA-2013




3 comentários:

Ana Paula disse...

Com este mar salgado e terra tornas-te minha musa e eu transformar-me-ei em sereia para te presentear os vidrinhos coloridos que apanhei na tua praia a pensar em ti.
Estarei sempre por perto,
beijinhos

Susana Garcia Ferreira disse...

Esse poema está muito bonito,e tem muita realidade,fala da tua infância e adolescência nessa terra de mar e sal e de calçada polida e barcos.

Anónimo disse...

Que saudades tenho desta terra.Tive um fim de tarde para além doutras ,que ficará sempre na minha memória.Com um lindo pôr de sol e uma benção da Natureza